sábado, 10 de setembro de 2016

A HISTÓRIA DO AVIVAMENTO NA ARGENTINA


COMO COMEÇOU?

O Movimento de Discipulado na Argentina foi fruto de um avivamento que começou em 1967, em Buenos Aires, Albert Darling, filho argentino de um cristão irlandês, e executivo do departamento de marketing da Coca-Cola Export Corporation, foi batizado no Espírito Santo e começou uma reunião de oração toda segunda-feira em sua casa com um grupo de uns vinte irmãos.
À medida que se reuniam para orar por um avivamento nas igrejas da Argentina, irmãos de várias denominações começaram a ser cheios do Espírito e o grupo de oração cresceu de tal forma que logo se tornou impossível continuar reunindo-se naquela casa. Alugaram um salão que também ficou pequeno e o mesmo aconteceu com um grande templo colocado à disposição deles, obrigando os a mudar o grupo de oração para um teatro com capacidade para 1.500 pessoas.
A maior parte dos irmãos pertencia aos Irmãos Livres (inclusive o casal Darling), mas havia também batistas, menonitas, membros da Aliança Cristã e Missionária, da União Evangélica da América do Sul e irmãos de grupos independentes. Predominavam nas reuniões a oração, a adoração e o amor uns pelos outros, e havia grande expectativa por coisas maravilhosas do Senhor. Os incrédulos que passavam em frente ao teatro entravam para ver o que Deus estava fazendo., A presença do Senhor os convencia de tal maneira que caíam com o rosto em terra. Outros sentiam as algemas e correntes do pecado caindo de suas vidas, enquanto entravam na presença do Senhor, e outros ainda eram curados.
Como resultado deste mover, cerca de uns dez pastores, participantes regulares das reuniões, começaram a encontrar-se todo sábado para desenvolver um relacionamento mais íntimo. Com o tempo este número chegaria a cerca de 25 líderes, mas entre esses os que mais se destacaram foram: Orville Swindoll, missionário americano na Argentina desde 1959 e estabelecido em Buenos Aires desde 1967; Keith Bentson, missionário americano na Argentina desde 1958 e estabelecido em Buenos Aires desde 1965; Ivan Baker, argentino de descendência inglesa e líder numa igreja dos Irmãos Livres; Jorge Himitian, armênio nascido em Haifa, Palestina, cuja família se radicou na Argentina quando ele era um garoto de 7 anos; e Juan Carlos Ortiz, pastor argentino das Assembleias de Deus. Foram principalmente esses homens que delinearam os princípios deste movimento na Argentina.

O SENHORIO DE CRISTO E O EVANGELHO DO REINO

Em 1968 Jorge Himitian começou a compartilhar com seus colegas a revelação que estava tendo na Palavra sobre o senhorio de Cristo. Em resumo, ele começou a questionar os sermões evangélicos que pregavam a aceitação de Jesus Cristo como Salvador para obter perdão de pecados e deixavam o reconhecimento de Jesus como Senhor para um eventual momento de crise. Ao estudar as Escrituras percebeu que a palavra salvador só aparecia umas poucas vezes, ao passo que a palavra senhor aparecia mais de trezentas vezes. Descobriu que para os primeiros cristãos o termo “senhor” (kurios, em grego) significava dono, soberano, uma pessoa com grande autoridade, mais particularmente, na época, o imperador romano. Dirigir-se a uma pessoa como senhor implicava compromisso, sujeição e submissão a essa pessoa, assumindo a posição de servo. Todo escravo do primeiro século encarava o desejo do seu senhor como uma ordem, mas a tendência do Cristianismo atual era raciocinar e argumentar com o Senhor, em vez de obedecer sem reservas. A rendição dos cristãos primitivos ao Senhor Jesus foi total a ponto de pagarem com suas vidas a sua lealdade a Cristo. Diante disso, o cristão hoje deveria arrepender-se de seu pecado de rebelião e independência e reconhecer a Jesus Cristo como Senhor, colocando-se sob seu governo, submetendo-lhe sua vida sem reserva, como servo obediente. Fazendo isto, tornamo-nos sua propriedade, seu povo, sua possessão, e ele nos molda à sua própria imagem para sermos instrumentos efetivos para cumprir seu propósito eterno, por meio do Espírito Santo que habita em nós.
Assim surgiu a mensagem do “evangelho do reino de Deus”, que relacionava o senhorio de Cristo com a experiência de salvação. Em 1968 Himitian expôs por vários domingos esta mensagem e Juan Carlos Ortiz foi o primeiro a pedir que a mesma série fosse dada em sua congregação. Logo Himitian estava pregando o evangelho do governo de Deus, que deveria ser praticado aqui e agora, em várias cidades da Argentina. Mais tarde esta mensagem foi mais elaborada e cópias em fita cassete foram distribuídas. No ano de 1974 a série completa foi impressa com o título “Jesus Cristo é o Senhor”. Basicamente a mensagem do evangelho do reino se dividia em três pontos principais:
  1. Jesus como Senhor de nossas vidas;
  2. Jesus como Senhor da igreja; e
  3. Jesus como Senhor do universo.

A IDÉIA DE DISCIPULADO

Embora o grupo de pastores que se reuniam aos sábados de manhã e conduziam as reuniões de segunda à noite obtivesse consideráveis resultados evangelísticos, começaram a buscar uma forma descomplicada e não dispendiosa de conservar os frutos e edificar a igreja. De acordo com Orville Swindoll, a resposta “teria de ser simples e prática, aplicável em qualquer situação: tanto entre pobres como entre ricos, em tempos de perseguição ou de liberdade, em meio a um avivamento espiritual ou em novos campos de trabalho, entre profissionais ou operários.” Ivan Baker e Swindoll tinham tido contato com os “Navegantes”, um movimento evangélico interdenominacional iniciado nos EUA entre os marinheiros durante a Segunda Guerra Mundial, cujos propósitos eram a evangelização e o treinamento de novos convertidos. Eles enfatizavam o estudo e a memorização de textos bíblicos e o trabalho pessoal de acompanhamento e discipulado. Foi especialmente Ivan Baker quem viu as tremendas possibilidades do plano dos “Navegantes”. Consistia de um cristão ganhar e treinar uma outra pessoa no espaço de um ano, e logo os dois repetiriam o processo sucessivamente. Ao fim de dois anos haveria quatro, em três anos oito, em quatro anos dezesseis, e assim por diante. Ele viu que o crescimento numérico seria lento no princípio, mas, ao cabo de dez anos, haveria mais de mil novos crentes e em vinte anos haveria um milhão, e em trinta anos um bilhão. E, além disso, o plano poderia ser facilmente ensinado sem exigir equipamentos especiais, dinheiro ou demasiado tempo livre.
Ao estudar os Evangelhos, Baker viu que o método de Jesus para treinar e enviar os discípulos era simples e sem sofisticação. Eis as lições essenciais que descobriu nos quatro Evangelhos:
1) Jesus deu de si mesmo mais do que deu sermões.
2) Jesus foi até as pessoas; não pediu que viessem a ele para escutá-lo.
3) Ele aceitou as circunstâncias tais como eram: à beira-mar, na montanha, no poço, nos lares etc. Seus maiores pronunciamentos foram em meio às circunstâncias mais simples.
4) Somente buscou aqueles que estavam com fome e sede de justiça.
5) Fez uma seleção dos seus discípulos. Nunca procurou segurar aqueles que desejavam deixá-lo. Mais tarde, enviou aqueles que havia selecionado em missões específicas.
6) Ele levou somente três anos para formar doze apóstolos.
7) Os discípulos estavam aparentemente sem preparação quando ele os enviou.
Obviamente, ele dependia do Espírito Santo para completar o trabalho necessário neles.
Porém, ao expor para sua congregação essas condições básicas estabelecidas por Jesus para o discipulado, Ivan ficou frustrado e decepcionado. As pessoas estavam acomodadas e acostumadas a ter líderes sobre si, fazendo o trabalho de evangelismo e edificação. Não queriam assumir a responsabilidade pessoal por outros para produzir um evangelismo mais eficaz. Sendo assim, ele e sua esposa fizeram algo radical. Sem informar sua congregação, começaram a evangelizar os vizinhos do bairro usando os princípios de discipulado que ele descobrira nos Evangelhos. Logo surgiu um pequeno grupo reunindo-se para tomar chá juntos, para orar bem cedo de manhã, para estudos bíblicos e para buscar conselho pastoral. Frequentemente, nos domingos pela manhã, eles se reuniam e logo saíam para evangelizar. Depois de seis a oito meses tinham um grupo estável de umas doze pessoas. Durante todo este tempo ele continuara em vão tentando reorientar sua congregação de acordo com o plano acima mencionado, mas, mesmo assim, os resultados obtidos com este grupo o convenceram de sua praticidade. Foi então que resolveu apresentar o grupo à igreja na reunião geral do domingo à tarde.
Ao ver novas pessoas chegando, os irmãos pensaram que finalmente alguns da redondeza estavam mostrando interesse no evangelho. Quando Ivan apresentou os novos convertidos e como ele e sua esposa os haviam ganho, a congregação ficou envergonhada, pois viu que esses “meninos em Cristo” estavam bem orientados e espiritualmente crescidos, e que alguns deles já haviam levado seus parentes e amigos a Cristo. Ao terminar a reunião, um dos presbíteros veio a Ivan, confessou sua dureza de coração e sua vergonha e disse: “Diga-nos como fazer, Ivan. Estamos dispostos a obedecer.” Ivan percebeu que não poderia assumir este plano sozinho. Viu que teria de preparar homens que por sua vez preparariam outros e assim por diante. Por três meses treinou seus presbíteros e depois dividiu todos os membros da congregação que estavam dispostos a trabalhar em três grupos sob a autoridade dos três presbíteros. Alterou também a estrutura tradicional da igreja, pois viu que o excesso de reuniões não deixava tempo para se fazer discípulos.
Durante o ano de 1968, Ivan Baker e Jorge Himitian estiveram compartilhando com o grupo de pastores seus pensamentos e descobertas sobre o senhorio de Cristo, o evangelho do reino de Deus, e como fazer discípulos. Mas foi através de Juan Carlos Ortiz que essas verdades se tornariam mundialmente conhecidas.

A EXPERIÊNCIA DE ORTIZ

Alguém afirmou haver três tipos de pessoas que se destacam nos movimentos da história da igreja: o teórico, o pragmático e o articulador. Referindo-se ao que estava acontecendo na Argentina, Orville Swindoll definiu Jorge Himitian como o teórico ou teólogo, Ivan Baker como o pragmático e Juan Carlos Ortiz como o articulador. Com sua mente brilhante e a capacidade incomum de comunicar as verdades que estavam no seu coração, Ortiz se tornou na década de 70 o porta-voz do Movimento de Discipulado na Argentina. Foi um dos primeiros a se tornar plenamente convencido da validade e atualidade das verdades que estavam sendo descobertas e a colocá-las em prática em sua igreja.
Mesmo sendo pastor de uma próspera igreja pentecostal em Buenos Aires, que devido ao seu intenso trabalho e de sua esposa crescera de 180 para 600 membros, ele não estava satisfeito e decidiu retirar-se da cidade por uma semana para buscar o Senhor. Foi então que ouviu Deus falar-lhe: “Juan, onde está o meu dedo em tudo isto? … Vocês não estão crescendo, estão apenas engordando.
Vocês apenas têm mais pessoas do mesmo tipo. Havia 200 sem amor, depois 300, 500 e agora 600 – todos sem amor. Mais do mesmo tipo … não crescendo … engordando … Sua igreja não é uma igreja; é um orfanato. Ninguém tem pai; todos são órfãos e você é o diretor do orfanato. Aos domingos você enche uma garrafa de leite e diz: ‘Agora abram suas bocas’. E você pensa que está alimentando seu povo.” Por meses então ele pregou sobre o discipulado, o evangelho do reino e o senhorio de Cristo em sua igreja. Um dia viu que era hora de mudança. Eis com suas próprias palavras um pouco da sua experiência: Um dia, lendo o Evangelho segundo Mateus, vi que Jesus disse que todas as multidões eram como ovelhas sem pastor, e ele escolheu doze discípulos. Disse para mim mesmo: “É tempo de mudar.” Eu tinha uma congregação parecida com um clube. Era como um orfanato e eu era o Reverendo Juan Carlos Ortiz, diretor do orfanato. Quando compreendi isto, decidi começar uma nova igreja subterrânea em minha casa. E Joãozinho roubou um grupo de membros do Reverendo Ortiz e começou a discipulá-los. Eu era Joãozinho. Nesta nova estrutura não precisava mais ser um “reverendo”. Apenas Joãozinho. Você sabe por quê?
Clubes são fundamentados em pretensão e prestígio humanos. A verdadeira igreja é fundamentada em Jesus. Se nós o chamamos pelo seu primeiro nome, por que não a mim?
Então dei minha vida a esses discípulos. Trabalhei com eles. Fomos para o campo juntos. Vivemos juntos. Comemos juntos. Eu abri minha casa para eles. Eles vieram dormir em minha casa … Nós nos tornamos como uma família. E depois de seis meses, mais ou menos – não foi de um dia para outro – essas pessoas estavam tão mudadas que todo o orfanato notou isto … As pessoas iam a eles para oração e conselho. E, depois de seis meses, eu lhes permiti roubar outros membros da igreja do Reverendo Ortiz para fazer deles discípulos. Seis meses mais tarde, esses também foram permitidos roubar mais membros. Levou quase três anos, mas finalmente todos os membros foram roubados e o orfanato foi transformado numa família.
Durante esse tempo pessoas estavam sendo salvas nos pequenos grupos celulares. Cada um de meus discípulos se reunia com seu grupo celular. Novas pessoas vinham para as células, mas nós proibimos os líderes de células de trazê-las para a igreja porque expô-las ao velho clube congregacional as estragaria.
Além do mais, estávamos tentando acabar com a velha estrutura, não alargá-la. Cada um de meus discípulos tinha um grupo num ponto diferente da cidade … Estas células podiam reunir-se em casa, num parque, num restaurante, na praia – em qualquer lugar e a qualquer hora … Aos poucos, portanto, descobrimos o que um “membro de igreja” realmente é: Primeiro, um membro de igreja é dependente do resto do corpo. Ninguém vê um nariz andando pela rua sozinho. O corpo precisa estar todo interligado, como um só bloco. Segundo, um membro é uma parte do corpo que une duas outras partes. Terceiro, um membro é alguém que nutre. Ele recebe nutrição para si mesmo e passa nutrição para outros membros submissos a ele. Quarto, um membro sustenta aqueles que estão acima dele. E quinto, os membros passam ordens. A cabeça ordena a mão, mas a ordem é transmitida através de outros membros.
Ortiz preparou cursos de estudos para usar nas sessões de treinamento com seus líderes. Pouco a pouco esses estudos foram mimeografados, corrigidos e impressos, e os líderes começaram a usar o mesmo material para ensinar a seus grupos pequenos. A produção quase constante de novos materiais, além dos ensinamentos dados nas reuniões de segunda à noite e de sábado com os pastores produziu farto material que serviu de base para a publicação de vários livros. Seu primeiro livro em inglês “Call to Discipleship” (Chamado Para Discipulado) foi escrito juntamente com Jamie Buckingham (famoso autor e ministro cristão carismático) a partir de seus ensinamentos numa conferência nos EUA. Foi traduzido para várias línguas e teve grande impacto para espalhar os ensinamentos sobre o senhorio de Cristo e o discipulado.
Os anos de 1972 e 1973 foram uma época de muita divulgação da palavra que os irmãos em Buenos Aires tinham recebido. Muitos pastores e líderes de outros países latino-americanos e dos EUA foram até a Argentina para conhecer os irmãos e para assistir aos encontros que começaram a promover. Além disso, os pastores de Buenos Aires começaram a viajar para outros países para pregar em encontros e conferências.
Em janeiro de 1973 houve um grande encontro em Porto Alegre promovido pelos batistas renovados e Ortiz, Swindoll, Bentson e Baker estiveram lá como preletores. Tanto nas reuniões gerais com assistência de 6.000 a 7.000 pessoas (de toda parte do Brasil), quanto nas reuniões especiais com pastores, o impacto da palavra de Ortiz foi marcante. Numa das noites do encontro, enquanto Ortiz dirigia o louvor, após ensinar o corinho “Ao que está assentado no trono, e ao Cordeiro … “, parecia que o mesmo espírito de adoração que movera tão fortemente na Argentina, pousou por alguns momentos sobre a congregação, dando uma amostra aos brasileiros deste ambiente celestial.
A partir deste encontro, muitos pastores tomaram conhecimento do que Deus estava fazendo na Argentina e começaram a viajar para lá para assistir aos encontros e conhecer melhor a mensagem. Muitos ministérios foram transformados e não conseguiram mais se encaixar em suas igrejas e denominações tradicionais, começando a tentar colocar em prática os princípios do discipulado.

A ÊNFASE SOBRE A UNIDADE DA IGREJA

Desde o princípio, o mover do Espírito iniciado em 1967 em Buenos Aires e que resultou nas ênfases sobre o evangelho do reino, o senhorio de Cristo e o discipulado, ultrapassou barreiras tradicionais e denominacionais. Como já vimos, pastores de várias denominações se reuniam aos sábados e suas igrejas às segundas à noite; e os principais entre eles viajaram por toda Argentina e por vários países promovendo um ministério itinerante em igrejas, acampamentos, conferências, escolas bíblicas e seminários para pastores e líderes. Foi neste contexto que surgiu a ênfase sobre a unidade da igreja.
Foram Jorge Himitian e Orville Swindoll, que viajavam muito juntos, que tiveram um interesse especial pelo assunto, pois entenderam que para aquele despertamento que estava acontecendo na igreja da Argentina continuar, ele não poderia ser limitado apenas a um contexto denominacional. Era preciso proclamar com intrepidez a unidade de todo o povo de Deus. O Espírito Santo não tinha interesse em edificar estruturas denominacionais, mas a igreja, o corpo de Cristo.
A morte de Jesus havia destruído a inimizade entre Deus e nós, e também entre nós mesmos e nossos irmãos em Cristo. Swindoll incentivou Himitian a estudar o assunto de unidade da igreja nas Escrituras e apresentar uma mensagem sobre o tema nas reuniões de segunda à noite. Um fator que os encorajou a prosseguir nesta pesquisa foi a visita em 1969 de Arthur Wallis (um conhecido autor e conferencista inglês de grande maturidade que enfatizava o avivamento), que ministrou sobre o livro de Neemias. Através de sua mensagem sentiram confirmação sobre as condições essenciais para reconstruir os muros e assim definir a verdadeira característica da cidade de Deus. Acima de tudo o espírito sectário deveria ser quebrado, pois só servia para distrair e atrasar a edificação dos muros.
Em abril de 1969 Jorge Himitian deu sua primeira mensagem sobre a unidade da igreja numa reunião de segunda à noite. Enfatizou especialmente Efésios 4, sublinhando os seguintes conceitos sobre a igreja:
(1) que a verdadeira configuração da igreja local abrange a totalidade dos redimidos de uma cidade;
(2) que nesta mesma área Deus deu à igreja dons e ministérios, os quais devem ser reconhecidos por todos os cristãos ali e exercidos em unidade para a edificação de toda a comunidade.
Para ilustrar estes conceitos, ele mostrou que na igreja de Jerusalém todos os apóstolos ministravam a todos os santos. Devido em parte à enorme quantidade de cristãos ali, a vida em comunidade encontrou sua expressão prática em dois níveis:
(1) todos juntos e
(2) nas casas, certamente em grupos pequenos.
Os apóstolos não dividiram os convertidos em doze grupos diferentes, mas conservaram a prática da unidade do Espírito.
Este foi o início da ênfase sobre a unidade do corpo de Cristo que se espalhou pela igreja na Argentina, a ponto de mais tarde ocorrer a fusão de algumas congregações, e que também encontrou ressonância em vários países, inclusive o Brasil.

NÃO SÓ AVIVAMENTO, MAS FAMÍLIAS E NORMALIDADE

As várias ênfases que temos visto mostram que os irmãos da Argentina não estavam interessados apenas em avivamento, mas em reformar a estrutura da igreja. Swindoll insistiu em suas conversas com os pastores para que a base das congregações fosse concentrada em famílias. Em lugar de ver os jovens solteiros como únicos candidatos promissores a líderes, mais atenção deveria ser dedicada a homens que fossem cabeças de famílias para que houvesse famílias estáveis. Ele compreendeu que, se a vida em família fosse valorizada, a formação dos filhos e dos jovens e também dos novos cristãos seria mais exequível e coerente. Por isso, a ênfase crescente através dos anos no núcleo familiar – que é a unidade básica tanto da igreja como da sociedade – fez com que as congregações passassem a ser caracterizadas pela sua composição baseada em famílias. Outra convicção dos irmãos, defendida principalmente por Keith Bentson e Juan Carlos Ortiz, era que sua preocupação maior não fosse buscar um avivamento, mas buscar a normalidade. O propósito de Deus em nos redimir é para normalizar nossas vidas.
Segundo Bentson, Deus criou o homem na terra para levar uma vida santa e normal, para trabalhar, servir aos outros, e criar uma família. Se isto era a ordem e vontade de Deus para a criação, então a redenção deveria restaurar-nos ao mesmo nível de vida. Portanto, os irmãos concluíram que o Espírito os estava movendo a buscar uma volta à normalidade e não um mero avivamento. Deveriam concentrar-se em tornar-se aqueles homens, mulheres, pais, esposas, maridos, empregados, profissionais e cidadãos que Deus os havia destinado a ser pela criação e redenção. Se houvesse algo mais, algo espetacular, isto seria uma prerrogativa de Deus. O aspecto pragmático das coisas seria responsabilidade deles, e deveriam adotar uma atitude de fé e obediência, caminhando cada dia no Espírito.
Resumindo, de acordo com uma mensagem de Ortiz em outubro de 1969, o propósito de Deus não era apenas salvar almas, mas salvar homens. O evangelho de hoje é deficiente, pois procura só a salvação das almas, mas o evangelho do governo de Deus deve reorientar completamente a vida e conduta dos verdadeiros discípulos de Cristo, e os reunir numa comunidade de santos, onde aprendem a viver e a trabalhar com integridade, onde manifestam o amor, a graça e a verdade de Deus na vida diária.

PROBLEMAS E CONFLITOS

Como sempre acontece num novo mover de Deus, os irmãos de Buenos Aires enfrentaram problemas e conflitos exteriores e interiores. No primeiro caso foram acusados de muitas coisas: de serem excessivamente “pentecostais”, “espiritualistas”, de promulgarem “falsas doutrinas”, de “ecumenismo”, “ladrões de ovelhas” etc.
Mas o conflito mais sério que enfrentaram foi entre eles mesmos com um dos líderes mais proeminentes do grupo – Juan Carlos Ortiz. Este discordou da posição tomada pela maioria do grupo de disciplinar um pastor que cometera pecado sexual, proibindo-o de exercer ministério público por um determinado tempo. Ele defendia a posição de que, quando um pastor comete pecado e sinceramente se arrepende, por mais grave que seja sua falta, o sangue de Cristo o limpa de todo pecado e Deus se esquece totalmente de sua falta. Sendo assim, não há mais motivo nenhum para desqualificá-lo para o ministério. Apesar de concordarem com o conceito do perdão de Deus, os outros irmãos ficaram preocupados com a confusão, leviandade e imoralidade que se criaria nas igrejas, se pastores e líderes surpreendidos em fornicação e adultério pudessem continuar ministrando só pelo fato de se declararem arrependidos.
Outra questão que causou tensão entre Ortiz e os demais membros do presbitério em Buenos Aires envolvia pontos de vista discordantes sobre o nível de autoridade que o presbitério deveria ter sobre o seu ministério itinerante.
Estes problemas levaram à separação de Ortiz do presbitério, e ele acabou mudando para os EUA. O desenrolar desta crise ocorreu durante o ano de 1974 e início de 1975 e, segundo Swindoll, “em todos os anos que temos estado juntos, nada nos tem causado mais preocupação e desassossego que este assunto” (os problemas com Ortiz).14 Em maio de 1975, Bob Mumford foi a Buenos Aires para ajudar a resolver a situação e acabou aproveitando a viagem para ministrar em outras áreas.
Apesar desta experiência ser muito dolorosa, segundo Swindoll, no fim houve resultado positivo para a igreja em Buenos Aires. Vejamos mais uma vez o que ele diz: “O laço de unidade entre os pastores foi duramente provado, mas se manteve firme, com exceção do colega mencionado (Ortiz). No meio do ano de 1975, a atmosfera era clara outra vez; os relacionamentos entre os pastores, como também entre eles e os homens responsáveis em suas congregações, eram muito mais precisas; e nossas metas se haviam definido com clareza. A neblina havia se levantado e começávamos a enxergar melhor.”

DIFERENÇAS ENTRE OS MOVIMENTOS DA ARGENTINA E DOS EUA

Como já mencionamos, os anos de 1972 e 1973 foram de muita proclamação e expansão da visão do discipulado através de viagens e conferências. Em 1974, porém, começaram a surgir problemas tanto na Argentina quanto nos EUA. Na Argentina surgiram os problemas mencionados acima. Nos EUA a mensagem do discipulado causou uma explosão semelhante à que seria produzida atirando-se um fósforo num depósito de gasolina. Inicialmente parecia ser a resposta ideal para a carência que milhares de carismáticos sentiam de disciplina, aliança e desenvolvimento em maturidade. Devido a vários fatores, porém (como o entusiasmo dos americanos em aplicar ideias novas em grande escala, pessoas imaturas ocupando posições de autoridade, ênfase exagerada na cadeia de comando dentro do discipulado, “embriaguez” com os fantásticos sucessos iniciais em termos da expansão numérica do movimento levando à arrogância, e a tendência natural das igrejas atoladas no “status quo” de atacarem qualquer movimento revolucionário), logo surgiu um grande conflito entre os carismáticos com muitas acusações, difamações, mentiras e exageros.
Dada esta situação nos EUA, os irmãos na Argentina acharam mais sábio deixar de viajar por um tempo e dedicar-se mais à prática local. Depois puderam constatar que esta decisão foi de muita valia para o desenvolvimento prático da visão. Perceberam que a visão do discipulado ainda estava numa fase experimental quando fora divulgada nos EUA e em outros lugares e que muitos ajustes precisavam ser feitos. Devido à natureza mais desconfiada do povo argentino, o sistema de discipulado expandia mais lentamente do que nos EUA, e isto foi bom porque deu tempo de evitar extremos e desequilíbrios e, consequentemente, escândalos e polêmica.
Outra diferença entre o movimento na Argentina e nos EUA foi a ênfase que os pastores em Buenos Aires deram à unidade entre todos os pastores em cada cidade, o que não era o caso nos EUA, onde havia cadeias distintas de autoridade e submissão na mesma cidade.

CONCLUSÃO

Se você já leu nosso livro “A História do Avivamento na Argentina” ou outra literatura sobre o assunto, certamente concordará que a Argentina tem sido visitada por Deus com avivamentos muito expressivos. O Movimento de Discipulado, porém, que acabamos de descrever, representa algo diferente. É verdade que começou como um verdadeiro avivamento a partir das reuniões de segunda-feira na casa de Albert Darling, que acabaram produzindo as reuniões de sábado dos diversos pastores que, mais tarde, foram usados por Deus para conduzir o movimento. Entretanto, rapidamente ultrapassou as características de um avivamento, tornando-se um dos movimentos de reforma mais significativos do século XX.
Segundo uma mensagem que Jorge Himitian ministrou num encontro na Argentina, em 1974, há três características da obra de Deus no mundo que provam que não é apenas avivamento que Deus deseja, e sim uma total restauração da igreja:
1) O Espírito Santo não está restaurando verdades isoladas, e sim recuperando o conjunto completo da verdade de Deus e do seu propósito;
2) Não está havendo movimentos locais ou isolados, e sim uma renovação universal que está ocorrendo em I nossos dias; 3) Não se trata de uma simples recuperação de conceitos ou teorias, e sim de que o Senhor está movendo para levantar um povo para si, capaz de encarnar estas verdades. Isto significa que, mais que crer ou anunciar uma verdade, o Senhor quer levar-nos à necessidade de experimentá-la e encarná-la.
Com certeza, os irmãos na Argentina não alcançaram uma restauração plena da doutrina e prática apostólicas, e eles seriam os primeiros a concordar com isto.
No epílogo do livro “Tiempos de Restauracion”, Orville Swindoll diz: “Humildemente cremos que temos uma contribuição a fazer para o presente processo de restauração da igreja. Entretanto, reconhecemos que necessitamos das contribuições de outras partes da igreja que estão experimentando uma renovação espiritual.”
Gostaríamos de sugerir aqui, em síntese, três deficiências básicas que impediram a tentativa de reforma na Argentina de alcançar dimensões apostólicas, essenciais para a restauração total da igreja.
1) A falta da revelação da graça de Deus. Jesus não pregou sobre a graça.
Ele proclamava palavras duras! Mas ele era a graça de Deus. Se quisermos obedecer aos mandamentos de Jesus, teremos de entender e aceitar sua graça.
Não é possível formar discípulos ou obedecer à Palavra de Deus nas nossas vidas sem ser através da pura graça de Deus, sem nenhuma mistura de esforço humano (Rm 8:2-4; Gl 5:4-5).
Apesar de os evangélicos, de modo geral, possuírem uma fé teórica nesta graça, ninguém está demonstrando o poder de uma verdadeira revelação dela na prática hoje. Os irmãos na Argentina, ao reagirem contra a “graça barata” tão predominante no meio evangélico hoje, tocaram em pontos de equilíbrio vitais ao enfatizarem o senhorio de Cristo e os princípios do discipulado.
Mas, para voltarmos à autêntica vida cristã demonstrada na primeira igreja, precisamos de algo mais do que isto. Necessitamos da revelação da graça de Deus no mesmo nível que os apóstolos (principalmente Paulo) receberam e proclamaram. Somente graça pura levará à obediência pura!
2) A ausência de uma ênfase na verdadeira comunhão do Espírito Santo.
Cremos que a comunhão entre o Pai e o Filho na Divindade é o Espírito Santo, e que esta comunhão do Espírito forma o corpo de Cristo (I Co 12:13). Se dermos ênfase à obediência à Palavra por um lado, ou à liberdade no exercício dos dons do Espírito, por outro lado, sem cultivarmos assiduamente a comunhão no Espírito (que não é algo social ou superficial), teremos apenas um outro “movimento”, com todas as limitações humanas, e não o corpo de Cristo. O Espírito Santo é uma pessoa, e ele precisa ter espaço em cada vida, relacionamento e reunião. Não cremos que a obediência à Palavra de Deus ou a formação de discípulos será eficaz sem este elemento da verdadeira comunhão (At 2:42; 2 Co 13:13; Fp 2:1).
Apesar de os irmãos na Argentina terem alcançado um admirável entendimento e prática do equilíbrio entre a Palavra escrita e o Espírito, mais uma vez notamos que falta algo para atingir a verdadeira doutrina apostólica. É possível escapar da rigidez e morte da letra e dos extremos e fanatismos do uso destemperado dos dons do Espírito e, mesmo assim, não alcançar a palavra viva (Hb 4: 12). Não é suficiente misturar Moisés (a Palavra) e Elias (o Espírito) para produzir o evangelho. É necessário um terceiro elemento, Jesus (o evangelho encarnado – Mt 17:1-5).
Não dispomos de tempo ou espaço para discorrer sobre isto aqui, mas cremos que este terceiro elemento hoje tem a ver com a comunhão do Espírito Santo mencionado acima. Esta comunhão existe, em potencial, no meio da igreja hoje, mas o problema é que por não ser enfatizada, reconhecida ou esperada, ela fica sem ação ou expressão. Estamos tão ocupados em estudar, interpretar ou pregar a Palavra ou em buscar e exercer os dons do Espírito que não sobra espaço ou tempo para nutrir e desenvolver esta comunhão.
3) A procura da unidade do corpo de Cristo na base da união dos pastores na localidade. Se por um lado isto pode trazer muitos benefícios no sentido de quebrar barreiras denominacionais, orgulho, sectarismo etc., por outro lado pode cair no ecumenismo e no sacrifício da verdade em função da unidade. Apesar de precisarmos ser quebrados em nossos preconceitos e “reinos próprios”, também precisamos tomar cuidado para não unirmos a igreja de uma maneira humana.
A verdadeira unidade do corpo de Cristo tem de ser centralizada na pessoa de Cristo. À medida que cultivamos a comunhão do Espírito e o espírito (não a letra) da Palavra (2Co 3:6), o Cristo vivo se revelará em nosso meio (Mt 18:20) e sua igreja será formada em cada localidade – um corpo, um Espírito, um Senhor (Ef 4:4-5).
Ao ressaltar, porém, estes aspectos que, ao nosso ver, constituem deficiências, não queremos de modo nenhum depreciar o significado das contribuições positivas que o mover de Deus na Argentina tem para nos oferecer.
Em primeiro lugar, precisamos dizer que estes aspectos que estão faltando na visão dos irmãos na Argentina também estão faltando de modo geral na igreja no mundo. Em segundo lugar, é certo que qualquer prosseguimento na obra de restauração da igreja hoje dependerá da incorporação dos princípios fundamentais proclamados pelos irmãos, tais como: O evangelho do reino, o senhorio de Cristo, os princípios gerais do discipulado (não uma cadeia humana de autoridade, mas os princípios que Jesus aplicou ao discipular os doze), a restauração da normalidade divina para toda a vida do homem (família, emprego etc. – não apenas a vida religiosa) e o alvo de Deus de unir sua igreja na terra para que o mundo creia (Jo 17:21-23).

FONTE: http://semelhanteajesus.com.br/index.php/movimento-de-discipulado-na-argentina/

LIVRO:
A Igreja do Século XX
A HISTÓRIA QUE NÃO FOI CONTADA
John Walker & Outros
Publicado por:
Worship Produções
1ª Edição: julho, 1996
Páginas 103

Grande parte do conteúdo deste capítulo foi baseada no livro “Tiempos de Restauracion” 14 de Orville Swindoll e em entrevistas com Jorge Himitian.